Nos dias de hoje, os dados dos consumidores estão aumentando exponencialmente - da mesma forma que as críticas públicas das práticas utilizadas sobre o uso desses dados. Como reflexo disso, virou comum vermos casos de vazamento de dados de grandes bancos, redes sociais e uma grande indignação pública sobre como as grandes empresas utilizam os dados dos consumidores.
Então qual é a melhor forma que os negócios podem usar dados, de uma forma que seja ética perante aos consumidores e não cause algum tipo de reação regulatória, quando temas como a LGPD continuam em alta? Esse é um dos grandes desafios dos executivos das grandes empresas atualmente.
Uma maneira de começar a tratar essa questão é mudando a forma a qual é falada sobre esse assunto. Os executivos, advogados, legisladores, economistas e técnicos de dados devem buscar a referência do ‘escambo’ quando falarem do uso de dados dos consumidores. Escambo é o termo que designa a prática da troca de serviços ou mercadorias, forma de economia que, na história, antecede o uso de dinheiro para pagamentos.
Tratar o uso de dados dos consumidores como uma forma de escambo, torna o assunto mais claro para os reguladores e investidores para que possam focar na escala e natureza de mecanismos de troca existentes que atualmente são fundamentais para o setor da tecnologia, e focar também em como criar formas mais eficientes para proteger os consumidores.

Inicialmente isso deve soar estranho. Junto da palavra escambo, naturalmente vem a imaginação da troca de carne por grãos, ou da troca de serviços por terras, um tipo de imagem que não corresponde com o mundo de tecnologia que vivemos hoje. Inclusive, economistas dizem que o conceito de escambo é antigo e desaparece quando o dinheiro é inventado, ou seja, que todo tipo de fluxo de valor pode ser traduzido e medido em termos monetários.
Contudo, atualmente ainda existem diversos fluxos de valor que não são mensurados em valor monetário e ao observá-los mais atentamente, eles podem ajudar a estruturar a atual ‘economia dos dados’ que existe hoje. Isso porque, o que direciona a estratégia de negócio de grandes empresas é parcialmente um tipo de troca que não envolve dinheiro: os dados dos consumidores estão sendo coletados em troca do fornecimento de alguns serviços digitais, como no escambo carne pode ser trocada por grãos.
Ao entender essa dinâmica, o ecossistema poderia usufruir de alguns benefícios:
1. Todos ficariam cientes de ambos os lados da transação.
A ideia de que a economia da tecnologia moderna depende de dois lados, normalmente se perde no debate sobre o uso de dados. Consumidores não estão apenas abdicando dos seus dados, eles também estão obtendo serviços em troca.
2. Torna mais claro o ponto de que os consumidores não estão dispostos a pagar por essas transações de forma financeira.
Nos últimos anos, algumas empresas de tecnologia ofereceram aos seus usuários uma forma de “vender” seus dados por dinheiro, e também a pagar pelas ferramentas digitais. Por exemplo, em 2019, o Facebook criou um aplicativo que pagava os usuários pelo acesso aos seus dados para pesquisas de mercado, contudo o interesse dos usuários foi baixo. Isso pode refletir inércia de adoção dos usuários, ou o fato de que esse mecanismo de troca, entre dados e serviços, tenha mais valor do que de fato um fluxo monetário.
3. Facilitaria a criação de sistemas de dados que parecem mais éticos para os consumidores.
Os mecanismos atuais estão envolvidos em muita controvérsia. Isso não é um sinal de que os consumidores querem abolir esses sistemas de troca; até porque eles provavelmente não querem, dado sua eficiência. O que é preciso, contudo, é um esforço para dar aos consumidores mais poder sobre seus dados, fazendo com que as empresas providenciem uma transparência maior sobre essas trocas. Os consumidores devem saber o objetivo da troca, a duração da transação (o tempo em que seus dados serão utilizados e armazenados), e os consumidores devem poder encerrar esse tipo de transação quando bem entenderem.
Ao controlarem esse tipo de transação, os consumidores aumentam a competição no mercado de tecnologia, ao poderem portabilizar os seus dados entre diferentes instituições, como o Open Banking projeta desenvolver no Brasil.
Com o entendimento da natureza dessa relação entre empresas e consumidores e desse mecanismo de escambo entre dados e serviços, as organizações podem e devem redesenhar todo o debate sobre o uso de dados.
Organizações Data Driven devem ter esse tipo de movimentação em seu radar para que não sofram por pressões regulamentares e para consolidar sua reputação perante seus consumidores como uma empresa que valoriza seus relacionamentos e respeita os dados de todos.